Incentivos fiscais à cadeia produtiva da soja chegam a R$ 57 bi, diz estudo
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Os dados estão em um estudo elaborado em parceria pela ACT Promoção da Saúde, Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).

As organizações questionam o alto volume de “subsídios” concedido para a produção de soja, carro-chefe do agronegócio nacional, ao longo das últimas décadas e sugerem uma revisão do modelo de incentivos que permitiu a expansão e o protagonismo dessa cultura no país.

O estudo defende que o governo defina outras prioridades de investimentos no médio e longo prazos e redirecione a outras áreas os recursos que atualmente compõem o sistema produtivo da oleaginosa. O mecanismo para mudar a aplicação desse dinheiro, afirmam as organizações responsáveis pelo estudo, seria a reforma tributária que está em discussão no Congresso Nacional.

De acordo com o levantamento, todo o circuito da cadeia produtiva da soja tem 100% de isenção das alíquotas de PIS/Pasep, Cofins e IPI. Isso inclui aquisição de insumos, como sementes, defensivos e adubos, processamento do grão em óleo, farelo e biodiesel e também as operações de venda aos mercados interno e externo.

Algumas alíquotas não incidem sobre insumos ou derivados da soja e outras foram zeradas ou estão com a arrecadação suspensa, diz o estudo. O documento aponta ainda que a indústria do segmento não arrecada os tributos e ainda se beneficia de um “cashback bilionário” com o crédito presumido.

As organizações calcularam que houve renúncia de arrecadação de R$ 18,59 bilhões nas operações de compra de insumos pelos produtores, de R$ 9,99 bilhões com as negociações de farelo, óleo de soja e biodiesel para o mercado interno e de R$ 28,23 bilhões com as exportações de soja em grão, óleo e farelo. O crédito presumido das empresas somou outros R$ 2,78 bilhões.

Marcos Woortman, coordenador de políticas socioambientais do IDS, diz que o modelo de incentivos fiscais para a soja faz parte da decisão geopolítica e estratégica que o país adotou ainda nos anos 1960 para povoar o interior do país e reduzir a dependência de importações de alimentos.

Mas, replicado governo após governo, afirma ele, o sistema hoje beira a “completa irracionalidade”. Woortman ressalta que o produtor rural “não é vilão na história” e que grande parte dos benefícios gerados por esse modelo tributário e seus desdobramentos não ficam na mão do sojicultor.

As entidades analisaram ainda a desoneração de ICMS concedida por Mato Grosso, que foram de cerca de R$ 8 bilhões em 2022 — o Estado responde por quase um terço da produção nacional de soja. A estimativa é que esses benefícios podem chegar a R$ 25 bilhões em todo o país.

Ainda que a soja movimente mais de R$ 400 bilhões no país anualmente, os autores veem pontos negativos no apoio a essa cadeia sob os aspectos socioambiental e nutricional. O estudo cita ainda a necessidade de o setor começar a “pagar as contas” e “devolver parte dos investimentos para a sociedade”.

Em outro trecho, o texto afirma que esse modelo de incentivos cria “ilhas de riqueza” em detrimento do não-cumprimento da Constituição Federal, a fim de garantir direito à alimentação a toda população.

Segundo Woortmann, a lista de áreas e atividades que poderiam receber os recursos hoje destinados à soja é “infinita”, incluindo a produção de arroz e feijão, o que melhoraria a segurança alimentar, a criação de um novo processo de industrialização no país ou o fomento à educação.

“Temos uma situação emergencial de desenvolvimento do país, e isso vai depender da reforma tributária. Onde o país vai colocar o seu dinheiro, que está mais escasso? Não é possível que não sobrem recursos para setores que precisam”, destacou.

Apesar de não conhecer o estudo em detalhes, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que representa as tradings agrícolas, disse que “as desonerações apontadas são horizontais para todo o setor agropecuário e para a indústria de processamento de produtos agropecuários, sem nenhuma exclusividade ou direcionamento para a soja e seus derivados”. A Globo Rural procurou a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), que não quis comentar.